quinta-feira, dezembro 09, 2004

Caminhante (parte III)

O que será que estas pessoas fazem aqui? Não me animo a perguntar o que está acontecendo, até porque acho que eu não saberia como fazer. Penso que é indelicado fazer perguntas em uma terceira língua. Apesar de eu não achar ruim quando estrangeiros falam comigo. Pelo contrário, eu gosto. Me sinto útil por ajudar uma pessoa em um lugar diferente ao que ela está acostumada. Um ponto interessante é como nos sentimos acuados em um lugar onde não podemos nos comunicar. É amedrontador! Pessoas esforçando-se para entender. Nós, esforçando-nos para nos fazer entender. Pior que isso: quando ninguém está preocupado em entender o que queremos. Bom tema para um sonho, este. Estou sozinho, no meio de uma multidão. Não sei onde, não consigo distinguir o local (parecia ser a escola onde estudei no primeiro grau; depois se tornou o shopping-center (qual? todos são iguais! (parênteses dentro de parênteses dentro de parênteses são estranhos)); mas tem um poster na parede, como o do meu quarto; e tem cheiro de bolinho de chuva). A multidão simplesmente me ignora. É como se estivesse invisível. Exceto pelo fato de as pessoas desviarem de mim. Mas ninguém, NINGUÉM, ninguém sequer olha nos meus olhos e isso me desespera mas também me deixa brabo. Certo da indiferença de todos, tiro a roupa, como num protesto. E eis que me vejo na escadaria da minha faculdade, e nu. E preocupado com isso. Tenho que sair dali, porque vem vindo um professor. Não tenho como explicar! A multidão sumiu e ele vai me ver. Eu nunca vou conseguir me formar se ele me ver. Corro para o banheiro, que não está onde deveria estar. No lugar do banheiro, entrei em uma sala de aula onde está tendo uma aula da minha turma da quinta série! Aí é hora de acordar, porque nos sonhos acordamos quando a tensão chega ao máximo. Ou quando estamos quase comendo a professora da quinta série (como é que nunca nos esquecemos dela?). Mas isso não costuma acontecer em um sonho com multidão.

De qualquer maneira, sigo sem fazer perguntas. As pessoas também não parecem estar dando muita bola para mim. Simplesmente caminham e não conversam entre si. Como casais que já perderam o tesão e o interesse um pelo outro. Mal notam a presença do outro. Não gostam, aturam. É fácil de vê-los em um certo tipo de restaurante. São restaurantes relativamente simples, sem grandes requintes, onde eles vão na sexta ou no sábado a noite, porque ela achou que deveriam sair um pouco. Ele usa uma camisa para dentro da calça de brim, e ela um vestido um pouco fora de moda, já que não compra roupa de sair já faz algum tempo (existe a variante das classes altas, mas estes saem sozinhos, cada um com seu amante; tudo muito moderno). Eles sentam um em frente ao outro e fazem seus pedidos, comentando alguma coisa sobre os pratos. Ele pede um aperitivo enquanto esperam o jantar. Silêncio. Ele comenta que a irmã não anda muito bem com o marido e ele responde qualquer coisa, sem dar muita importância. Mais silêncio. Chega a comida. Comentam sobre a qualidade. Ele termina a cerveja que tomou praticamente sozinho, pedem a conta e vão embora.

Por que estas pessoas estão se reunindo desta maneira? E, mais importante, por que eu continuo andando, indo para o mesmo lugar que elas? Não faço nada contra a minha vontade, mas também não quero ir para lá. Mas vou, como se não tivesse vontade própria. Como é estranha esta sensação, de ter consciência de se estar fazendo algo involuntariamente, mas além de continuar fazendo, não se importar com isso. Estou apenas seguindo o fluxo e sei disso. É como se eu pudesse, a qualquer momento, sair daqui, procurar outro caminho, uma saída ou uma porta. Mas eu não faço. E a cada instante eu acho que o mais sensato a fazer é sair daqui, mas não saio. Sou eu que estou comandando as minhas pernas. Sou eu quem está decidindo continuar com a multidão. Todos que chegam ao círculo (um círculo enorme, diga-se de passagem) encontram um lugar e param ali, imóveis. Penso que deveria estar apavorado. Tenho consciência de que estou me dirigindo para lá, e não tenho nenhum motivo para acreditar que o efeito em mim será diferente. Vou pisar no círculo, me dirigir para um lugar onde não atrapalhe a chegada de outras pessoas, e ficar imóvel, sem expressão alguma. Por que eu não fico apavorado. Estou quase pisando ali. Em cinco segundos eu estarei ali. É algo que não tem volta e que não parece ser contra a minha vontade. Mais um passo e eu vou descob

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

- Rômulo -
bah, ô Felipe, tá muito bom isso aqui, cada vez melhor, só me diga que tu está bem senão vou ficar com medo, no final deixou até palavra pela metade, sinistro.
hehe
abraço, bom findi

1:27 PM  

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