sexta-feira, novembro 26, 2004

Caminhante

Saio do prédio e já é escuro. Estranho, podia jurar que ainda seria dia claro, mas não tenho certeza de quanto tempo fiquei ali dentro, se duas três ou cinco horas. Enquanto estive lá dentro, não vi nenhuma janela. A maior parte do tempo eu fiquei numa sala, esperando.
Conhecer um lugar durante o dia não é o mesmo que conhecê-lo durante a noite. As referências são outras. Lojas e escritórios coloridos, vivos, dão lugar a portas de ferro muito parecidas umas com as outras. Saio caminhando pela esquerda, pela calçada do prédio. Penumbra se intercala com a luz dos postes. Ainda tem gente na rua, mas não são pessoas familiares. Quando se está em um lugar estranho, as pessoas não deixam de ser familiares porque nunca as vimos antes. Elas têm costumes diferentes, fazem outras coisas, fumam outros cigarros, seus assuntos são outros. Outros comportamentos.
O mais estranho é que não falam muito. Talvez simplesmente estejam saindo de seus trabalhos, cada um para o seu lado, indo para a sua casa. Mas que é estranho é. Já não tenho certeza se este é o caminho pelo qual eu vim. Enquanto caminhava, fiquei divagando sobre como a noite altera a nossa percepção dos lugares e não prestei atenção no caminho que fiz. Noites quentes se prestam para isto. Podemos sair caminhando, pensando sobre a primeira coisa que vem à mente. Nem precisa ser nada importante. O brilho de uma estrela lembra que ela está muito distante, que lembra que essa luz demorou muito tempo para chegar aos nossos olhos, que lembra que o que estamos olhando naquele exato momento é o passado, que nos lembra que alguém no futuro pode estar olhando para nós (ou para a luz que sai da pequena esfera que habitamos), que, de repente, nos lembra que já estamos caminhando há muito tempo e que é hora de voltar.
O problema que me ocorre é que não sei onde estou. Também não tem ninguém por perto. Acendo um cigarro. Não, não é uma solução para o problema, só me ajuda a pensar. Duvido que ajude, na verdade, mas é o que eu faço quando não sei o que fazer. Assim como abaixo o volume do som do carro quando quero encontrar uma rua ou um lugar. Não me adianta de nada, mas eu faço e pronto. Como agora não estou de carro, acendo um cigarro.
Devo ter caminhado bastante, pois os prédios estão um pouco diferentes. Menores e mais antigos. Algumas casas também. Não tem ninguém na rua e as janelas estão todas fechadas. Aliás, muito estranho, não há luzes nas janelas. A única iluminação que posso notar, e em poucas residências, vem do interior, nunca dos cômodos mais externos.
Uma luz ainda longe. Não dá para saber de onde vem, entro em uma rua mal calçada que parece que vai em direção a onde está a luz. Ela pode estar bem longe, já que a noite está bem escura e devem fazer uns dez minutos que não tem mais iluminação pública. Estranho, porque continuo em uma zona residencial.
(Continua...)
Escrito ao som de Bongo Fury, do Frank Zappa.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

se chegares à luz e descobrires algo sobre o sentido da vida ou coisa que o valha, conte-me. Em qualquer outro caso informe-me também. Cuidado com estupros e com os carros de faróis apagados.

3:48 PM  
Anonymous Anônimo said...

E se ver uma camionete esporte com um grande quebra-mato andando devagar próximo à calçada, saia correndo o mais rápido que puder.

5:16 AM  

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