segunda-feira, novembro 29, 2004

Caminhante (parte II)

Este tipo de situação deveria me deixar com medo. O desconhecido costuma amedrontar as pessoas. Costumamos abdicar de grandes prêmios - dinheiro, amores, vitórias, alegrias - em favor do conforto e da certeza. O problema está em que, no longo prazo, acabamos nos dando conta que não tivemos uma vida que valeu a pena. Notem que falo em correr riscos, não em realizar atividades perigosas. Atirar-se de uma ponte não apresenta um risco. Apresenta uma certeza de morte. Correr risco é falar com ela, sabendo que podemos acabar no melhor dos mundos, vivendo uma grande paixão, ou ficar sem ela, ir ao fundo do poço e partir para outra. Se não corremos o risco, podemos nos contentar em viver uma amizade morna, que pode durar a vida inteira e, acreditem, uma vida inteira de arrependimento do que poderia ter sido. Correr risco é largar o teu emprego de merda, mas que te paga o suficiente todo mês, para perseguir aquele teu sonho, que pode te trazer a felicidade, se der certo. Se não der, começa tudo de novo. O estranho é que não estou com medo. Imagino que eu deveria desconfiar disto e dar meia volta. Mas eu não faço isso, talvez porque não sei mais o caminho que fiz. É melhor a incerteza para a frente do que a incerteza para trás.
A todas estas, descobri que a luz era de um prédio grande. O prédio não é grande em altura, mas largo e volumoso, como um estádio ou um shopping. Não creio que seja nenhum dos dois, já que não tem estacionamento ou letreiros e inscrições em volta. Algumas poucas pessoas entram pelas várias portas. A curiosidade matou o gato. Mesmo assim, decido ir até lá. O prédio é bem maior do que parecia a primeira vista. E mais longe do que eu tinha imaginado. Como a distância nos altera a percepção. Não somente em relação a objetos e pessoas, mas também sobre fatos. Um desastre de trem na Índia, matando centenas de pessoas, não tem o mesmo impacto de um desastre de ônibus que mata uma dúzia de estudantes na cidade vizinha; e esse não causa tanto pesar quanto a morte do vizinho que caiu do telhado. Quanto vale uma vida humana? Depende da nossa relação com esta pessoa. Não somos imparciais. Pelo contrário, somos egoístas e mudamos nosso julgamento dependendo da forma que somos afetados por eles. Posso ser um implacável defensor da pena de morte, achando que um assassino deve pagar com a própria vida, deveria ter pensado antes, já que sabia das conseqüências. Até que meu filho mata alguém. Quero ver quem é capaz de manter as suas crenças ma iminência da morte de um filho.
É, a construção é realmente muito grande. Mesmo esta porta é gigantesca. E eu estou com uma vontade sem tamanho de entrar aí. Por isso eu entro. É incrível! Muitas pessoas (milhares?) reunidas em uma grande arena, no centro do prédio.
(Continua...)

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

eu disse que esta segunda parte é bem melhor não por não ter gostado da primeira, mas me surpreendeu bastante. Gostei mesmo, aliás, estou gostando. E o final dessa parte me lembrou De olhos bem fechados.hehe

2:51 PM  
Blogger Felipe said...

Algo surpreendente pode acontecer. Ou não...

3:04 PM  

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